Ponto de vista 05/09/2025 - 02:07

PCC revela limites da fiscalização no século 21

A megaoperação contra o PCC mobilizou 1.400 agentes, mirou 350 alvos e bloqueou bilhões de reais. A ação, conduzida por diferentes órgãos de investigação e fiscalização, foi celebrada como um grande avanço no combate ao crime organizado. Mas o caso também levanta uma questão fundamental: como foi possível que, ao longo de mais de uma década, um esquema bilionário de lavagem de dinheiro se estruturasse dentro da economia formal sem que o poder público conseguisse reagir com eficácia?

Esse questionamento atinge diretamente as instituições responsáveis pela prevenção e repressão de fraudes tributárias. Secretarias de Fazenda, Receita Federal e CVM possuem instrumentos de monitoramento, mas não conseguiram impedir que o crime organizado se infiltrasse em setores estratégicos da economia. O resultado foi uma concorrência desleal contra empresas que atuam de forma regular, enfraquecendo a economia formal e legal.

O Instituto Combustível Legal destacou em reportagem publicada pelo UOL que ainda não foi aprovado no Senado o Projeto de Lei do Senado nº 284/2017, de autoria da então senadora Ana Amélia. O projeto regulamenta o artigo 146-A da Constituição Federal e cria instrumentos para que as administrações tributárias possam agir rapidamente contra devedores contumazes, interrompendo fraudes logo em seu início. Como exemplo positivo, o Instituto cita a Secretaria da Fazenda de São Paulo, que já dispõe de mecanismos semelhantes no regulamento do ICMS e, em 2018, aprovou a Lei Complementar nº 1.320/18, que dedica dois artigos ao combate aos devedores contumazes (19 e 20). Essa lei foi um avanço importante, pois ao mesmo tempo em que fecha brechas para fraudes, simplifica a vida de empresas que cumprem corretamente suas obrigações.

Recentemente, o Senado aprovou o Projeto de Lei Complementar nº 125/2022 que trata do tema dos devedores contumazes. O texto traz avanços significativos, apesar de não incluir algumas ferramentas essenciais para dar agilidade ao combate do devedor contumaz, como o regime especial de fiscalização previsto pelo PLS 284/2017.

No entanto, apenas a existência da legislação não garante o enfrentamento eficaz dessas práticas. Segundo apuração do Ministério Público citada pela imprensa, a reportagem mencionou que empresários investigados teriam se associado à Refinaria Manguinhos (atual Refit). Em artigo publicado no Poder360, o empresário Ricardo Magro — sócio do grupo — afirmou categoricamente não ter qualquer relação com o PCC. De todo modo, o CNPJ da empresa (33.412.081/0001-96) está disponível publicamente e permite consultar, na plataforma da PGE-SP, o montante inscrito em dívida ativa de ICMS declarado. Com base nesses dados oficiais, foi elaborado o gráfico abaixo, que mostra a evolução acumulada da dívida ao longo dos anos.

Os números evidenciam que a sonegação bilionária começou há mais de uma década e não foi interrompida mesmo após a aprovação da LC 1.320/18, tendo o comportamento permanecido até 2023. Em 2024, a Folha de S.Paulo noticiou que a Sefaz-SP aplicou contra a Refit um Regime Especial de Ofício, exatamente o mecanismo previsto desde 2018 nos artigos 19 e 20 da LC 1.320.

Esse dado suscita uma dúvida inevitável: por que a medida só foi adotada em 2024, seis anos após a lei? A resposta está na estrutura organizacional da própria Sefaz-SP. Até 2022, o combate aos devedores contumazes era responsabilidade das Delegacias Tributárias regionais, modelo criado no século passado para uma economia menos dinâmica. Com a digitalização de cadastros e documentos fiscais e a maior mobilidade empresarial, tornou-se possível abrir, fechar ou transferir empresas entre municípios em poucas semanas, reiniciando processos de fiscalização e dando aos devedores tempo extra para fraudar o erário.

Em 2022, diante dessas limitações, a Sefaz-SP criou a Supervisão Executiva de Cobrança com atuação em nível estadual. Essa estrutura evoluiu nos anos seguintes para a atual Delegacia Tributária de Cobrança, responsável por aplicar o regime especial contra a Refit. Diferente do modelo burocrático tradicional, a nova unidade trabalha em células integradas, com comunicação horizontal, permitindo maior rapidez e efetividade.

O caso mostra de forma clara que leis são indispensáveis, mas insuficientes se não acompanhadas de estruturas administrativas modernas e responsivas. Investir em marcos legais é condição necessária, mas é igualmente essencial atualizar modelos de gestão e fiscalização para enfrentar práticas que, no século 21, já se confundem com o crime organizado. Só assim será possível proteger a economia formal e garantir condições justas de concorrência.

Reportagens citadas:

UOL: Instituto Combustível Legal: apoio político sustenta estrutura do PCC
UOL: Maior operação contra crime organizado no País atinge setor de combustíveis
Folha de S.Paulo: Senado aprova projeto do devedor contumaz após megaoperação contra PCC

Compartilhar: