Dia a dia 29/06/2022 - 01:17

O pecado original do “Código de Defesa do Pagador de Impostos”

Confira artigo publicado na edição de 29 de junho de 2022 do jornal O Estado de S. Paulo

Por  Rodrigo Spada e Rodrigo Sassaki

 

Tramita sob regime de urgência na Câmara dos Deputados o PLP 17/2022, chamado de Código de Defesa do Pagador de Impostos. Em seus 36 artigos, a proposta acumula problemas que vão da inconstitucionalidade de alguns trechos à inutilidade de outros, cópias com técnica legislativa piorada de normas já consagradas no Código Tributário Nacional e em outros diplomas legais. 

Essa série de erros do projeto decorre de um problema na ideia que fundamenta toda a proposta. O Projeto parte do pressuposto de que há uma oposição entre Fisco e sociedade e não há como erigir algo virtuoso sobre esse antagonismo forjado. 

Uma das premissas do texto é a “proteção do contribuinte contra a faculdade do poder de tributar, fiscalizar e cobrar tributo instituído em lei”. Esse pressuposto é uma deturpação total da noção de tributação, que opera em favor do cidadão, e não contra ele. A tributação não é uma punição à sociedade, mas a forma como o Estado financia sua operação e a prestação de serviços públicos, dos quais os beneficiários são os próprios cidadãos. 

Do ponto de vista narrativo, essa premissa induz a uma lógica do “fraco contra o forte”, desconsiderando completamente o princípio basilar da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

Para se manter de pé, esse tipo de argumentação exige ainda desconhecimento da realidade brasileira. Ao colocar o Fisco como uma espécie de Leviatã faminto diante da sociedade indefesa, o projeto ignora o que se vê, de fato, na construção normativa do sistema tributário: a atuação de poderosos grupos de interesse que, organizados, abrem brechas na legislação tributária para garantir benefícios, isenções, anistias e outras vantagens. 

O verdadeiro antagonismo (que será agravado caso o projeto seja aprovado) é entre os fraudadores e a sociedade. Para resolver esta situação, os parlamentares deveriam prover instrumentos necessários para garantir que todos paguem impostos da forma como a legislação exige. Quando, em vez disso, criam-se facilidades para os fraudadores - como a verdadeira blindagem que o PLP 17 traz ao patrimônio de quem burla o pagamento de impostos - o ambiente concorrencial é distorcido e o contribuinte bem-intencionado é o maior prejudicado porque vê serem recompensados os desvios do mal-intencionados. 

Essas distorções e injustiças são um repelente de investimentos. Com esse tipo de proteção aos sonegadores, o Brasil vai se tornar um país inóspito para o desenvolvimento de iniciativas e empreendimentos sérios. 

 

Rodrigo Spada

Auditor fiscal da Receita Estadual de São Paulo e presidente da Febrafite (Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais). É formado em Engenharia de Produção pela UFSCar e em Direito pela Unesp, com MBA em Gestão Empresarial pela FIA.

Rodrigo Sassaki

Auditor fiscal da Receita Estadual de São Paulo e membro da Comissão Técnica da Febrafite. É formado em Ciências Contábeis e Ciências Biológicas, Especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

 
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